segunda-feira, 27 de julho de 2015

CHILE PRENDE SETE MILITARES POR MORTE DE FOTÓGRAFO NA DITADURA

 Da France Presse

Um juiz chileno decretou nesta terça-feira (21) a prisão de sete militares reformados do Exército por seu envolvimento no assassinato de um fotógrafo em 1986, durante uma manifestação contra a ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990).

"O juiz Mario Carroza decretou a prisão de sete oficiais e suboficiais reformados do Exército pela morte do fotógrafo Rodrigo Rojas Denegri, em 2 de julho de 1986", disse um funcionário do Poder Judiciário à AFP.

As ordens de prisão envolvem os militares Luis Zúñiga, Francisco Vásquez, Sergio Hernández, Julio Castañen, Iván Figueroa, Nélson Medina e Jorge Astengo, e quatro dos sete já estão detidos.
Rojas Denegri morreu aos 19 anos, durante um protesto contra o regime de Pinochet em Santiago, após ser detido por uma patrulha militar quando fotografava ao lado da estudante Carmen Quintana, 18.

Os militares bateram, jogaram gasolina e atearam fogo aos jovens. Denegri morreu quatro dias depois, enquanto a estudante sobreviveu, apesar de ter 62% do corpo queimado, após ser tratada no Canadá.

O caso ficou conhecido internacionalmente devido à crueldade dos militares e os dois jovens se transformaram em um símbolo dos direitos humanos e da luta contra a ditadura.

A Corte Suprema do Chile condenou em 1993 o oficial Pedro Fernández, chefe da patrulha, a 600 dias de prisão pela morte do fotógrafo. No ano 2000, um tribunal impôs ao militar uma indenização de 500 mil dólares em favor de Carmen Quintana.

A ditadura de Pinochet deixou 3.200 mortos e mais de 38 mil detidos e torturados, segundo números oficias.

segunda-feira, 13 de julho de 2015

ESTRANHA FRUTA, ESTRANHA LÂMPADA

Por Marcio Sotelo Felippe

Joaquim Nabuco começou sua trajetória, ainda quintanista de Direito, defendendo um escravo acusado de matar o policial que o mandara açoitar, e depois um guarda para escapar da prisão. Um negro que matou dois funcionários brancos. Nabuco saiu vitorioso porque evitou a pena de morte.

A corajosa defesa de Nabuco foi construída a partir do seguinte raciocínio: o negro defendera-se de dois crimes anteriores, crimes da ordem jurídica e social do Império: um, a própria escravidão; outro, a pena de morte iminente.

Nesta última semana, em São Luís, um jovem negro, favelado, morreu linchado amarrado a um poste por ter, segundo a notícia, assaltado um bar.

O jornal Extra publicou a notícia com duas ilustrações, incrivelmente idênticas. Uma mostrava um escravo acorrentado a um tronco, submetido a açoites. Outra, o negro de São Luís, morto, cabeça pendendo amarrado a um poste de luz. É como se a foto fosse uma reprodução deliberada da primeira, uma cópia feita por um cineasta ou um fotógrafo. Nas duas cenas, pessoas olham inertes, passivas, curiosas. Profético Nabuco.

Se o jovem negro saísse vivo, sua defesa deveria ser feita com a coragem de Nabuco: ele cometeu um crime que tem a ver com  crimes anteriores, os crimes da ordem social e jurídica que degradaram toda sua existência. 

Porque óbvio que jovens brancos de classe média não roubam botecos. Cometem outros delitos, e quando o fazem não são amarrados a um poste e linchados.

Anos mais tarde, Nabuco, já herói do abolicionismo, era célebre a ponto de ter sua figura estampada em rótulo de cigarro (Cigarros Nabuco). Um dos intelectuais mais extraordinários da história do Brasil, escreveu a frase que explica o linchamento do jovem negro favelado de São Luís e que explica muito do Brasil dos séculos seguintes. Em citação livre: a escravidão havia de tal forma pervertido e contaminado a sociedade brasileira que a moldaria ainda por muito tempo. E que não bastaria libertar escravos, mas reeducar a sociedade.


Nabuco não foi ouvido e não falta muito para termos no mercado Cigarros Bolsonaro.
A abolição foi um ato apenas jurídico e formal. O Brasil então seguiu impávido colosso ignorando o povo negro, como se nada devêssemos a eles, como se não tivéssemos um débito social derivado de um tenebroso passado de séculos de miséria e degradação escravizando seres humanos. O Brasil segue impávido colosso ignorando as gerações seguintes do povo negro, e assim o jovem negro de São Luís era livre segundo a lei. A lei que em sua majestática grandeza dá a todos o direito de jantar no Ritz e dormir embaixo da ponte, como disse Anatole France.

Anatole France disse literariamente o que críticos do Capitalismo desde sempre apontaram: a condição de sujeito de direito do trabalhador que produz a riqueza da sociedade por força de um contrato “livremente” assinado não o liberta. O constrangimento econômico difuso o faz escravo de outra forma. Então, ele é perfeitamente livre para dormir embaixo da ponte ou ir a Paris jantar no Ritz.

A opressão do povo negro é múltipla. Há o débito social histórico, essa miséria transmitida de geração a geração sem que a sociedade brasileira lembre-se de resgatá-lo. Há o preconceito. Há a exploração da estrutura capitalista, que aí é, portanto, uma sobre opressão.

Em artigo publicadonesta coluna Contracorrentes, Marcelo Semer, apoiado em levantamento da Secretaria Nacional da Juventude (trabalho coordenado por Jaqueline Sinhoreto), traz, nessa ordem de considerações,  um dado irrespondível: “mais de 60% dos presos são negros (prende-se 1,5 vez o número de brancos) e uma parcela próxima a essa é composta por jovens. Quanto mais se prende, mais jovens e mais negros lotam as cadeias”.

“Puta africana”, “macaca”, “vagabunda” foram algumas das frases dirigidas a Maju, a apresentadora negra do Jornal Nacional, no Facebook. A página do Extra que estampava as duas ilustrações teve, entre 1817 comentadores, 71% favoráveis ao linchamento.   
Billie Holiday cantava uma canção chamada Strange Fruit. Falava dos negros enforcados em árvores nos sul dos EUA: “árvores do sul produzem uma fruta estranha/sangue nas folhas e sangue na raiz/corpos negros balançando/fruta estranha pendurada nos álamos/pastoril cena do valente sul/os olhos inchados e a boca torcida/perfume de magnólias, doce e fresca/Depois o repentino cheiro de carne queimada/Aqui está a fruta para os corvos arrancarem/Para a chuva recolher, para o vento sugar/Para o sol apodrecer, para as árvores deixarem cair/Aqui está a estranha e amarga colheita”.[i]



Aqui não são árvores, são postes de luz. Há neles uma estranha lâmpada. 



Marcio Sotelo Felippe é pós-graduado em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo. Procurador do Estado, exerceu o cargo de Procurador-Geral do Estado de 1995 a 2000. Membro da Comissão da Verdade da OAB Federal.