sexta-feira, 26 de junho de 2015

DIA INTERNACIONAL DE LUTA CONTRA A TORTURA



A Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes entrou em vigor em 26 de Junho de 1987 e, desde então, esse dia passou a ser celebrado como o Dia Internacional contra a Tortura. Nessa mesma data, em 2006, o Decreto Presidencial  criou, no Brasil, o Comitê Nacional para Prevenção e Combate à Tortura, formado por especialistas, ministérios públicos, órgãos do governo federal e organizações nacionais de Direitos Humanos que atuam no combate a esse grave delito. Esse órgão transformou o tema numa política de todo o governo.

O Dia Internacional de Luta Contra a Tortura tem por objetivo mobilizar a sociedade civil organizada e todos os órgãos do poder público em uma luta constante para erradicar de vez a tortura no nosso país e assim manifestar, publicamente, a afirmação de que o Estado brasileiro não tolera tortura, porque tortura é crime.

A vedação  à tortura foi inserida na Constituição Federal de 1988, assim sendo, deve ser observada por todos os cidadãos e autoridades de direito público ou privado. O inciso III do artigo 5.° da Constituição brasileira estabelece que “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante” e o inciso XLIII considera a tortura um crime inafiançável¹, insuscetível de graça² ou anistia³. O crime de tortura, porém, somente foi definido em 1997 quando entrou em vigor a lei n.° 9455. 

Segundo o artigo 1º desta lei, a tortura consiste em:

“I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:
a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;
b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;
c) em razão de discriminação racial ou religiosa;
II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo."

Apesar de o ordenamento jurídico brasileiro prever a garantia dos direitos humanos, a luta pela observância da inviolabilidade da vida humana no Brasil nunca atingiu um ponto equilibrado.  Por isso, a atuação do Ministério Público Federal é fundamental para uma possível melhora desta situação.

A Presidente Dilma Rousseff, para incentivar a erradicação da tortura no Brasil, instalou a Comissão Nacional da Verdade, que tem entre as suas missões  desvendar os segredos do regime militar, como o destino de mais de 150 desaparecidos políticos, cujos corpos nunca foram entregues às famílias. Também buscará novas revelações sobre episódios como o extermínio de presos na Guerrilha do Araguaia (1972-1974) e a cooperação do Brasil com ditaduras vizinhas na Operação Condor.

O Ministério Público Federal é representado pelo ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles, que faz parte dos sete integrantes principais da comissão. Eles terão dois anos para apresentar um relatório com a narrativa e as conclusões sobre os crimes cometidos.

Relatório do Subcomitê de Prevenção contra a Tortura

No dia 14 de junho, foi apresentado ao governo brasileiro o relatório do Subcomitê de Prevenção contra a Tortura (SPT) da Organização das Nações Unidas (ONU) - que pode ser encontrado completo no site da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC)  O documento apresenta os resultados obtidos nas visitas a diversas casas de detenção, delegacias, penitenciárias, institutos socioeducativos e clínicas de tratamento de dependentes químicos nos estados de Goiás, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo, em setembro de 2011.

De modo geral, foram 59 recomendações feitas ao Brasil que, mesmo tendo progredido em alguns aspectos desde a última visita, ainda precisa resolver muitos problemas. Uma das preocupações do SPT é o fato do Brasil não proporcionar proteção suficiente contra a tortura e os maus-tratos. Além da tortura e da situação das pessoas privadas de liberdade, o relatório aborda temas como saúde, crianças e adolescentes, unidade experimental de saúde, medidas de segurança, internação involuntária, dentre outros. O Brasil tem até 8 de agosto para apresentar uma resposta ao Subcomitê das Nações Unidas.

Também em sua visita ao Brasil, o SPT se reuniu com autoridades do poder público, entre elas procuradores da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão. Durante o encontro, a PFDC ressaltou a atuação do Ministério Público Federal na área, inclusive quanto a denúncias de tortura e maus-tratos internacionalmente divulgadas. Foi lembrado o trabalho de interlocução feito pela PFDC junto aos demais membros do MPF para a realização de visitas e inspeções nos presídios, de modo a serem averiguadas violações de direitos humanos, dentre as quais a tortura.

¹ O Crime Inafiançável é aquele em que o acusado não pode ter a liberdade provisória mediante pagamento de fiança. Para o crime ser inafiançável a pena mínima tem que ser superior a dois anos.

² A graça é um ato de clemência do poder publico que favorece individualmente um presidiário com sentença de condenação definitiva por crime comum ou por contravenção, extinguindo-lhe, reduzindo-lhe ou comutando-lhe a pena. É concedida somente pelo Presidente da República.

 ³ A anistia exclui o crime, invalida a condenação e extingue totalmente a punição.

quinta-feira, 18 de junho de 2015

NOTA DE REPÚDIO À REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL E À AMPLIAÇÃO DO PRAZO DE INTERNAÇÃO DE ADOLESCENTES



A Associação Juízes para a Democracia, entidade formada por juízes de todo o Brasil, que tem dentre suas finalidades o respeito absoluto e incondicional aos valores jurídicos próprios do Estado Democrático de Direito, vem a público manifestar repúdio aos projetos de emenda constitucional e de lei que, ignorando cláusula pétrea da Constituição Federal, preveem a redução da maioridade penal e o aumento de tempo da medida socioeducativa de internação, cujos efeitos deletérios serão suportados primordialmente pela juventude pobre brasileira, utilizada como instrumento do mais rasteiro populismo penal voltado para mera promoção política. 

Elogiado por ser um bem elaborado instrumento legal de garantias de direitos das crianças e adolescentes, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), embora formalmente em vigor há 25 anos, ainda não teve suas promessas transpostas da letra da lei para a realidade. O Estado tem falhado em não colocar em prática todas as medidas que garantam ao jovem brasileiro o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade, como preconizado pelo artigo 3°, do citado diploma legal. Em palavras mais claras, o jovem pobre brasileiro somente vai conhecer o Estado em sua face mais cruel, na forma de repressão.

No entanto, o mesmo Estado, negligenciando tais direitos fundamentais, opta, como é típico de regimes autoritários, tratar complexos problemas estruturais de uma sociedade desigual através da força do expansionismo penal. Veja-se, a propósito, que dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mostram que 90 por cento dos jovens que praticam atos infracionais são negros, sem escola e de famílias que vivem com menos de um salário mínimo ao mês.

A redução da maioridade penal e o aumento de tempo da medida socioeducativa de internação revelam-se absolutamente inidôneas aos fins a que pretensamente se destinam – não há qualquer estudo científico sério demonstrando relação entre rigor na repressão penal e diminuição dos índices de criminalidade. Além disso, consistem em medidas potencialmente agravadoras do quadro de violência urbana que pretensamente buscam combater, diante dos já conhecidos efeitos estigmatizantes de um sistema prisional que somente contribui para marginalizar e excluir, em um círculo vicioso de violência que não cessará, quer seja a maioridade reduzida para 16, 14 ou 12 anos; quer seja o jovem internado até seus 26 anos.


A Associação Juízes para a Democracia posiciona-se, pois, de forma absolutamente contrária à aprovação dos projetos que preveem tais medidas, que significam, em última análise, reprovável e odiosa criminalização da juventude pobre brasileira.

São Paulo, 18 de junho de 2015.

A Associação Juízes para a Democracia.

terça-feira, 16 de junho de 2015

NOTA DE REPÚDIO AO MINISTRO DA DEFESA

O PT paz, amor e sem vergonha na cara

A Rede Brasil-Memória, Verdade, Justiça (RBMVJ) - vinculada a Direitos Humanos Brasil - vem a público expressar sua profunda repulsa ao comportamento do ministro da Defesa, Jaques Wagner, por ocasião do funeral do general Leônidas Pires Gonçalves, que chefiou o Comando de Operações de Defesa Interna (CODI) do I Exército (Rio de Janeiro) entre abril de 1974 e novembro de 1976. O general Leônidas consta como torturador no Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), em razão dos crimes que cometeu à frente do CODI do I Exército, unidade militar responsável por sequestros, torturas, estupros, assassinatos e desaparecimentos de dezenas de brasileiros e brasileiras, opositores da Ditadura Militar. 

O ministro da Defesa, porém, autorizou honras militares durante o funeral, ocorrido no dia 6 de maio, e enviou como seu representante o chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, general José De Nardi. 

São inadmissíveis e dignas de repúdio as homenagens prestadas pelo ministro da Defesa à memória de um oficial torturador identificado pela CNV! O governo federal deveria ser o primeiro a acatar as conclusões e recomendações da CNV. 

Ao prestar honras militares e enviar representante do Ministério da Defesa ao funeral do general Leônidas, o ministro Jacques Wagner ofendeu a memória das suas vítimas e de seus familiares, somou-se às vozes dos defensores da Ditadura Militar, desrespeitou e desacatou as determinações de um órgão de Estado, a CNV! 

A Rede Brasil-Memória, Verdade, Justiça (RBMVJ) exige do governo federal que cumpra sem tergiversar as recomendações da CNV, de imediato, em especial, as duas primeiras: 

1) “Reconhecimento, pelas Forças Armadas, de sua responsabilidade institucional pela ocorrência de graves violações de direitos humanos durante a Ditadura Militar (1964 a 1985)”; 

2) “Determinação, pelos órgãos competentes, da responsabilidade jurídica – criminal, civil e administrativa – dos agentes públicos que deram causa às graves violações de direitos humanos ocorridas no período investigado pela CNV, afastando-se, em relação a esses agentes, a aplicação dos dispositivos concessivos de anistia inscritos nos artigos da Lei no 6.683, de 28 de agosto de 1979, e em outras disposições constitucionais e legais”. 

Rio de Janeiro, 11 de junho de 2015. 

Rede Brasil-Memória, Verdade, Justiça (RBMVJ) 
Comitê Paulista Memória, Verdade, Justiça (CPMVJ) 
Núcleo de Preservação da Memória Política (SP) 
Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos 
Grupo Tortura Nunca Mais - São Paulo 
Fórum de Reparação e Memória do Rio de Janeiro 
Coletivo Memória, Verdade, Justiça 
Comitê Popular Memória, Justiça e Verdade de Santos

sexta-feira, 5 de junho de 2015

UM ASSASSINO A MENOS


Morre general citado como torturador pela Comissão Nacional da Verdade 

Do Brasil de Fato

Leônidas Pires Gonçalves foi citado no relatório da Comissão Nacional da Verdade como um dos 377 agentes do Estado que atuaram na repressão política e foram responsáveis, direta ou indiretamente, pela prática de tortura e assassinatos durante o regime militar. 

O general Leônidas Pires Gonçalves, ministro do Exército durante o governo de José Sarney, morreu nessa quinta-feira (4), no Rio de Janeiro, aos 94 anos. O general foi citado no relatório da Comissão Nacional da Verdade, divulgado em dezembro de 2014, como um dos 377 agentes do Estado que atuaram na repressão política e foram responsáveis, direta ou indiretamente, pela prática de tortura e assassinatos durante o regime militar. 

De 1974 a 1977, durante a Ditadura, Gonçalves foi chefe do Estado-Maior do 1º Exército, no Rio de Janeiro, e comandante Militar da Amazônia. Em 1983, assumiu o Comando do 3º Exército, em Porto Alegre. 

Em 1985, foi convidado por Tancredo Neves para assumir o Ministério do Exército. Com a morte de Tancredo, o general integrou o governo do presidente José Sarney. 

Confira abaixo artigo publicado em maio 2012 no Portal Vermelho, que aborda os posicionamentos do general sobre os crimes da ditadura militar:

A ameaça de golpe militar do general Leônidas Pires Gonçalves

O general Leônidas Pires Gonçalves no tempo em que tinha poder…O general Leônidas Pires Gonçalves no tempo em que tinha poder… O general, que tem 91 anos de idade, foi entrevistado pelo jornal O Estado de S. Paulo hoje (18), e terminou a conversa com a repórter Tânia Monteiro com a tradicional ameaça golpista dos militares de sua geração que tiveram papel de destaque na ditadura militar. 

Respondendo à hipótese de mudança na Lei de Anistia, ele a defende com base na decisão do Supremo Tribunal Federal que, em 2010, chancelou a lei, e pôs as cartas na mesa: “Se quiserem fazer pressão no Supremo, o poder moderador tem de entrar em atuação no país”.

É uma ameaça clara: “poder moderador” é o eufemismo usado por estudiosos, chefes militares e políticos de gerações mais antigas, como a do general, para referir-se às Forças Armadas e sua intervenção golpista contra a normalidade democrática.

Isto é, contra a Comissão da Verdade e diante da perspectiva de responsabilização de agentes civis e militares da repressão que cometeram atrocidades durante a ditadura, o general tenta sacar o tacape.

Leônidas Pires Gonçalves foi o responsável pelo Doi-Codi no Rio de Janeiro entre abril de 1974 e janeiro de 1977. Nesta condição, foi o comandante da repressão contra a reunião do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil em 16 de dezembro de 1976, tragicamente conhecida como Chacina da Lapa, que assassinou a tiros os dirigentes Pedro Pomar e Ângelo Arroyo e sob tortura João Batista Drummond, além da prisão de outros militantes e dirigentes submetidos a bárbaras sessões de tortura.

O general classifica a Comissão da Verdade recém-instalada como “uma moeda falsa, que só tem um lado” e critica a presidente Dilma Rousseff dizendo que ela deveria deixar de olhar o passado e olhar “para o futuro do País”.

Ele repete a desmoralizada ladainha de que as ações referentes aos crimes cometidos pela repressão durante a ditadura envolvem dois lados (o outro é o daqueles que resistiram à ditadura e lutaram contra ela) e que a anistia – significando esquecimento – deveria deixar a ação da repressão no limbo da história. É o erro que cometem os conservadores e aqueles que, civis ou militares, participaram direta ou indiretamente daqueles crimes que, no Brasil, nunca foram examinados, investigados e menos ainda punidos.

O Brasil já pagou um alto preço pelo erro histórico de colocar uma pedra sobre crimes dessa natureza. Durante os debates sobre as Disposições Transitórias da Constituição que iriam aprovar, em setembro de 1946, os deputados constituintes do Partido Comunista do Brasil insistiram na necessidade da dissolução das polícias políticas e “especiais” e da instauração de “processo criminal contra os carcereiros e policiais responsáveis por crimes e espancamentos na pessoa dos presos políticos”.

O deputado comunista João Amazonas, em apoio à exigência feita pela bancada, foi claro. É necessário, disse, “dissolver essa polícia política que, ainda hoje, é constituída dos mesmos assassinos, espancadores e torturadores do povo”. Citou especificamente um desses criminosos, “certo espancador, de nome Boré”, que organizou um núcleo “trabalhista” na polícia política para invadir sindicatos, espionar locais de trabalho, espancar e prender operários.

Claudino José da Silva, que era ferroviário (e o único parlamentar negro daquela Assembleia), fortaleceu a argumentação dizendo que “o policial que maltrata, espanca, sevicia um preso político, pode e deve ser qualificado como um criminoso comum, merecendo por isso mesmo os castigos da lei penal”.

A maioria conservadora daquela Assembleia Constituinte rejeitou a proposta comunista. “Olhando para o futuro”, como quer o general que comandou o Doi-Codi do Rio de Janeiro, poupou e manteve em seus cargos os “Borés”, assassinos e torturadores, que participariam mais tarde do golpe militar de 1964 e proliferariam nos porões da repressão política comandada por oficiais como Leônidas Pires Gonçalves.

Olhar para o futuro implica em corrigir o passado, responsabilizar os que cometeram crimes sob o manto do Estado e criar as condições de plenitude democrática onde ações criminosas cometidas por agentes públicos contra pessoas postas sob a custódia do Estado sejam qualificadas como crime comum, como queria Claudino José da Silva há 66 anos atrás.