sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

PARA ESPECIALISTA, DECISÃO DO STF SOBRE MENSALÃO É 'DE RASGAR CONSTITUIÇÃO'




Da Rede Brasil Atual

“Cada poder tem seu lugar, STF não pode legislar”. A rima é de integrantes da União da Juventude Socialista (UJS), que esteve presente no debate “O Estado de Direito, a Mídia e o Judiciário: Em pauta a Ação Penal 470”, que ocorreu ontem (17) no Sindicato dos Engenheiros de São Paulo e reuniu jornalistas e especialistas da área jurídica. Para eles, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de cassar os mandatos dos deputados condenados no julgamento da Ação Penal 470, o mensalão, representa uma “afronta à Constituição”.

Os juristas Pedro Serrano e Carlos Langroiva, especialistas nas áreas de Direito constitucional e Direito penal, respectivamente, contribuíram para a discussão sob a ótica jurídica do julgamento. Para Serrano, todas as sessões do Supremo em torno do tema representaram uma sequência de erros. “Foi uma catástrofe. Houve erros de fundamentação, já que a doutrina do domínio do fato foi usada erroneamente, e erros de coerência. A jurisprudência tem seu lugar. Juízes não foram coerentes ao decidir pela cassação dos mandatos dos deputados.”

Para ele, a decisão do Supremo é um desrespeito aos cidadãos. “A decisão feita hoje é de rasgar a Constituição. Cabe à Câmara ou ao Senado cassar o mandato dos deputados. O que foi feito no tribunal hoje é uma irresponsabilidade. É um desrespeito à cidadania, e ainda com o apoio massivo da mídia. É um desrespeito à Constituição Federal.”

A transmissão ao vivo das sessões do STF pela televisão configura uma grande falha na área do Direito Penal, argumenta Langroiva. “Virou sessão da tarde, as pessoas ligam a TV de tarde, como antes faziam para ver novela, filmes, e assistem à sessão do STF. A divulgação como se deu do mensalão não deve acontecer na área penal, a vida das pessoas não pode ser devastada neste sentido.” De acordo com ele, o STF trabalhou com elementos que não são naturais no Direito. “O princípio básico da imparcialidade na análise dos fatos foi ferido quando a análise começou pela acusação.”


Além disso, o princípio da presunção da inocência não foi respeitado, segundo Langroiva. “Quem acusa, no processo penal, é quem deve provar suas acusações, e não a defesa que deve provar sua inocência. E não foi o que aconteceu no julgamento da Ação Penal 470. Houve presunção de culpa, coube à defesa provar o que era ou não verdadeiro.” Para ele, a flexibilização da apresentação de provas retrata um verdadeiro escândalo na área criminal. “O Direito Penal lida com nosso bem máximo, a liberdade”.

Para o jornalista Raimundo Pereira, diretor editorial da revista Retrato do Brasil e co-autor do livro A outra tese do mensalão, o julgamento deveria ser anulado. Segundo ele, a tese central sustentada pela Procuradoria Geral da República, que é o desvio de dinheiro do Banco do Brasil, não foi provada. “A materialidade do crime não foi provada. Na Idade Média era assim, pegava-se a bruxa, e depois de um tempo ela confessava um crime, mesmo que não existisse, não era necessário que se provasse sua materialidade.”

O jornalista Paulo Moreira Leite, colunista da revista Época, afirmou que o caso não é apenas jurídico, mas sim político, e fez uma analogia com o golpe de 1964 no Brasil. “Vivemos hoje algo parecido, porque com o governo federal de Lula e Dilma, houve melhorias em vários níveis, com melhor distribuição de renda. Para muitos isso é insuportável. A brecha que se encontra então é a criminalização, todo dia nos jornais há uma espécie de delação premiada. É uma tentativa de retrocesso.” 

Sobre a cassação dos mandatos dos deputados, Moreira Leite caracterizou a decisão do STF como um erro que será demorado de corrigir. “Essa 'porrada' é grande. Não sei o que o Congresso Nacional fará, nem os movimentos populares. Mas os erros são demorados para serem corrigidos. Na política, o erro se reproduz e se sedimenta.”

domingo, 16 de dezembro de 2012

NO BERÇO DOS ESQUADRÕES DA MORTE


Por Mauro Malin do Observatório da Imprensa

No dia 4 de dezembro, uma operação conjunta das polícias militar e civil do Rio de Janeiro com a Polícia Federal levou para o quartel-general da PM 61 soldados e suboficiais acusados de extorsão, sequestro, tortura, homicídios e associação com o tráfico. Esses homens eram 10% do efetivo do 15º Batalhão, de Duque de Caxias, Baixada Fluminense, onde todos trabalhavam – a palavra mais adequada é operavam: basicamente, cobravam propina para deixar o Comando Vermelho à vontade, o que lhes rendia algo como R$ 150 mil mensais.

O comandante do batalhão foi substituído. O Globo do dia seguinte recapitulou: em 2007, 59 policiais do mesmo 15º Batalhão, presos em operação semelhante, igualmente acusados de envolvimento com o tráfico, foram, por falta de provas, devolvidos às ruas.

Retaliação macabra

Um pouquinho mais de apuro na edição da reportagem teria agregado que em 2005 dez policiais do 15º Batalhão foram presos sob a acusação de matar um homem e jogar sua cabeça dentro do quartel, em represália contra um comandante que pretendia combater a criminalidade naquela repartição pública.

Ligados a outros policiais, esses homens promoveram em Nova Iguaçu e Queimados, naquele ano, um atentado terrorista semelhante ao que o nazista Anders Behring Breivik faria seis anos depois na Noruega: passaram atirando pelas ruas de oito bairros e deixaram 29 pessoas mortas.

Mais uma volta no parafuso teria permitido ao leitor saber que em 2004 o comandante-geral da PM-RJ foi substituído pelo então governador Anthony Garotinho após uma sucessão de episódios protagonizados por PMs, entre os quais alguns do 15º Batalhão. Naquela ocasião, a acusação era de cobrança de propina para liberar transporte irregular por vans.

No tempo de Beira-Mar

E outra volta adicional revelaria que, em 2002, integrantes do quartel entraram atirando numa favela e feriram 15 pessoas. Isso foi em novembro. Em junho, o corregedor geral da Secretaria de Segurança Pública do Rio havia pedido ao Ministério Público estadual gravações em que policiais, supostamente do 15º Batalhão, pediam propina a traficantes.

Nesse último caso, duas informações ganham relevo: 1) um dos bandidos era Fernandinho Beira-Mar; 2) a propina variava de R$ 100 a R$ 500, ao passo que agora, segundo o Estado de S. Paulo (5/12), varia de R$ 1,4 mil a R$ 500 mil.

Os traficantes não só gastavam bem menos com esse segmento de sua logística (isso indica que a arrecadação bruta aumentou, de modo a acomodar a alta da remuneração aos PMs pelos serviços prestados), como nem sempre estavam dispostos a gastar algum: segundo reportagem da Folha de S. Paulo (21/6/2002), “Índio [um dos auxiliares de Beira-Mar] também é orientado [em telefonemas] a não pagar propina a policiais que moram nas favelas próximas. Eles deveriam colaborar com o tráfico como forma de garantir a própria sobrevivência e a da família”.

Contra a fome, extermínio
Essa passagem ajuda a entender que ir parar na sarjeta da ética não é só, para alguns policiais, questão de vocação criminosa. É questão de vida ou morte.

A cronologia reversa poderia continuar por anos e décadas. Dá para perceber que o 15º Batalhão aparece com frequência no noticiário criminal. Entretanto, não é possível avançar muito além dessa constatação rasa. Uma compreensão mais elaborada requer que as notícias sejam colocadas em contexto. E isso, por sua vez, exige o concurso de disciplinas como a sociologia, a economia, a demografia, a geografia, o urbanismo, a antropologia social etc.

Determinadas informações, entretanto, podem esclarecer mais do que centenas de páginas de estudo. Por exemplo, no caso, que o 15º Batalhão tinha certa notoriedade por abrigar grupos de extermínio, uma praga nacional originária da Baixada Fluminense.

Mais ainda: que o batalhão foi criado, com o ordinal de 6º do antigo Estado do Rio, um ano após uma das maiores explosões de saques da história brasileira, o “Motim da Fome” ocorrido em Duque de Caxias no dia 5 de julho de 1962.

Inicialmente aquartelado, o contingente de PMs conviveu com uma “milícia” instituída pela Associação Comercial e Industrial da cidade após o trágico episódio (segundo reportagem da revista Fatos & Fotos, então dirigida por Alberto Dines, cerca de 50 pessoas foram mortas e 500 ficaram feridas).

O passado amarra o futuro

O regime militar mandou para as ruas as polícias militares, em todo o país. Na Baixada Fluminense, devido à parte que lhe cabia no monopólio legal da força e à organização inerente a seu cunho militar, rapidamente a PM se tornou mais importante do que os grupos de extermínio e esquadrões da morte “civis”. Setores da corporação passaram a ter ali um quase monopólio da violência usada para aterrorizar, extorquir, chantagear.

Essa trajetória se expandiria décadas depois nas milícias que dominam hoje numerosas áreas do território carioca, a pretexto de proteger favelas e bairros pobres contra traficantes, mas de fato substituindo-os.

Aqui, não foi a cultura do centro que se irradiou para a periferia. Foi o contrário. Coincidindo com a perda da principal função da cidade do Rio de Janeiro desde que Brasília se tornou a capital, sem que tenha havido um planejamento competente para a longa e socialmente dolorosa transição que se iniciou então, sem ter chegado até hoje a uma solução enquanto novos problemas, decorrentes de pesada perda de arrecadação, encontram a capital fluminense numa posição defensiva, não proativa.

ADVOGADA REBATE PREFEITURA DE SÃO PAULO SOBRE ATENDIMENTO DE VÍTIMAS DE INCÊNDIOS

Julia Moretti, do Escritório Modelo Dom Paulo, contraria declaração da prefeitura à CPI dos Incêndios de que cadastro para moradia seria automático.
Por Sarah Fernandes, da Rede Brasil Atual 

São Paulo – Uma advogada responsável por atender parte dos moradores de favelas que perderam suas casas em incêndios afirma que nem todas as vítimas são cadastradas em programas de habitação da prefeitura de São Paulo, como informou esta semana a secretária-adjunta de Habitação, Elisabete França. Durante depoimento à CPI dos Incêndios em Favelas em funcionamento na Câmara Municipal, a secretária contrariou também a versão mostrada por reportagens da RBA, que indicaram que a inscrição para receber uma moradia definitiva não é automática.

“Como é de praxe na prefeitura, quando eles dão atendimento, eles entregam um termo de compromisso de atendimento, dizendo que você vai receber em algum dia, em algum lugar, uma moradia definitiva”, afirma Julia Moretti, do Escritório Modelo Dom Paulo Evaristo Arns, da PUC de São Paulo. “O aluguel não tem documento. Eles recebem só um comprovante para tirar dinheiro no banco”.

A advogada é responsável pelo atendimento jurídico das famílias vítimas de incêndio na favela do Areião, ocorrido em agosto, e do Moinho, em dezembro do ano passado e em setembro deste ano. De acordo com Julia, o caso do Areião é mais grave porque "não houve qualquer atendimento, nem provisório, nem definitivo”. Com a falta de alternativa, a maioria das 92 famílias que perderam sua moradia voltou para o local e reconstruíram suas casas, de alvenaria.

No Moinho, apenas parte das famílias foi inscritas para receber moradia definitiva. “O cadastramento acabou deixando de fora algumas famílias, que estão sem nenhum tipo de atendimento. É um problema de operacionalização, mas que a prefeitura esta demorando para sanar, tanto que o Ministério Público interferiu para que houvesse uma movimentação para inclui-las.”

Quem conseguiu se cadastrar recebeu duas opções de moradia: uma na Ponte dos Remédios, na zona oeste, e outra da rua do Bosque, no centro. A primeira havia sido prometida verbalmente para os moradores e a entrega seria em novembro deste ano. O prazo não foi cumprido e não há uma nova estimativa de datas. A obra de construção das casas na rua do Bosque ainda nem começou, pois o terreno em questão não é público, de acordo com a advogada.

Na última reunião da CPI dos Incêndios em Favelas, realizada na quarta-feira (12), Elisabete França afirmou que depois dos incêndios todas as famílias foram cadastradas em programas de habitação social. A RBA questionou o fato de que alguns moradores entrevistados reclamarem que a prefeitura ofereceu apenas o auxílio aluguel, no valor de R$ 300, por tempo determinado, sem inscrição em um programa de moradia.

“Não procede porque a família que recebe aluguel recebe um termo de atendimento habitacional. É um documento oficial da prefeitura dizendo que era será inscrita em programas de habitação”, afirmou Elisabete. “Todas as famílias são cadastradas a menos que elas não queiram. Isso é normatizado pela legislação municipal: tão logo aconteça um desastre, a família é cadastrada no mesmo dia”.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

RESISTÊNCIA SEGUIDA DE MORTE: MANIFESTO PELA APROVAÇÃO DO PROJETO DE LEI N.º 4.471/12



Do Blog da AJD


O Projeto de Lei 4471/2012 tem como objeto a alteração do Código de Processo Penal (artigos 161, 162, 164, 165, 169 e 292) para, a partir de medidas normativas entornadas a garantir a exaustiva apuração de casos de letalidade derivada do emprego da força policial, extirpar de vez do cotidiano policial as figuras da “resistência seguida de morte” e dos “autos de resistência”.

Já há muito movimentos e organizações sociais – sobretudo aqueles formados por familiares de vítimas da violência estatal – se mobilizam contra os diversos casos de execuções que sequer chegam a ser apuradas, sob a obscura premissa de que os policiais agem em legítima defesa e, portanto, restaria excluída a ilicitude da ação, independentemente de investigação ou de apreciação pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário.

Apesar da “redemocratização” do país, centenas de milhares de familiares seguiram (e seguem) a padecer com as mortes de seus entes queridos, as quais, decorrentes de ações policiais, não são, na maioria das vezes, investigadas.

Para além dos casos que ocorrem cotidianamente sem qualquer repercussão pública, são inúmeras as notórias chacinas com participação policial ocorridas dos anos 90 até a atualidade: Acari (1990); Matupá (1991); Massacre do Carandiru (1992); Candelária e Vigário Geral (1993); Alto da Bondade (1994); Corumbiara (1995); Eldorado dos Carajás (1996); São Gonçalo e da Favela Naval (1997); Alhandra e Maracanã (1998); Cavalaria e Vila Prudente (1999); Jacareí (2000); Caraguatatuba (2001); Castelinho, Jd. Presidente Dutra e Urso Branco (2002); Amarelinho, Via Show e Borel (2003); Unaí, Caju, Praça da Sé e Felisburgo (2004); Baixada Fluminense (2005); Crimes de Maio (2006); Complexo do Alemão (2007); Morro da Providência (2008); Canabrava (2009); Vitória da Conquista e os Crimes de Abril na Baixada Santista (2010); Praia Grande (2011); Massacre do Pinheirinho, de Saramandaia, da Aldeia Teles Pires, os Crimes de junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro, dezembro (2012)…

Aponta-se que, entre janeiro de 2010 e junho de 2012, apenas nos estados do Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo e Santa Catarina, 2.882 pessoas foram mortas em ações registradas como “autos de resistência” ou “resistência seguida de morte” (1) – média de mais de 3 execuções por dia!

No estado da Bahia, entre os meses de janeiro e agosto de 2012, foram registradas 267 mortes de pessoas supostamente envolvidas em confrontos com policiais – média de mais de uma execução por dia! (2)

A execrável prática, desprovida de qualquer amparo legal, está na contramão daConstituição da República ao representar afronta ao fundamento da dignidade humana (art. 1º, III), à primazia dos direitos humanos (art. 4º, II) e, especificamente, ao direito fundamental à vida e à integridade física (art. 5º, caput e inciso III). Em última análise, atenta contra o Estado de Direito ao legitimar uma prática claramente ilegal.

Mais: trata-se de prática em inequívoca incompatibilidade com os compromissos firmados pelo País em tratados internacionais.

Consoante Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (Parte II, art. 2º, item 3, e art. 6º, item 1) e o Pacto de São José da Costa Rica (art. 25), deve ser garantida a investigação de qualquer violação a direitos humanos.

De modo mais específico, os “Princípios das Nações Unidas para a prevenção efetiva e investigação de execuções sumárias, arbitrárias e extralegais”impõem ao Governo o dever de proibir “por lei toda e qualquer execução sumária, arbitrária e extralegal”, garantindo “controle rigoroso, incluindo uma hierarquia clara de comando sobre todos os oficiais responsáveis por apreensão, custódia e encarceramento, assim como oficiais autorizados por lei a usarem a força e armas de fogo”.

Sobre a investigação desses casos, o mesmo documento internacional dispõe que “deve haver uma investigação completa, imediata e imparcial de todos os casos suspeitos de execução sumária, arbitrária e extralegal, inclusive de casos em que a queixa de parentes ou outros relatos confiáveis sugiram óbito por razões anormais nessas circunstâncias”.

É importante salientar que as milhares de execuções cometidas por policiais e não investigadas pelo artifício dos “autos de resistência” ou “resistência seguida de morte” têm como alvo quase que exclusivo jovens pobres e negros moradores das periferias das cidades brasileiras.

Trata-se, na prática, de odioso genocídio contra a população negra, jovem e pobre, presente desde a escravatura e confirmada pelo recentemente divulgado “Mapa da Violência 2012 – A Cor dos Homicídios no Brasil”, segundo o qual, no Brasil, entre 2002 e 2010, o número de homicídios de brancos caiu 25,5% ao passo que o de negros aumentou 29,8% (3).

A cada 10 jovens assassinados no Brasil, 7 são negros!

Sobre a “tendência crescente dessa mortalidade seletiva”, afirma-se no documento: “a tendência geral é de queda no número absoluto de homicídios na população branca e de aumento na população negra”.

Bom lembrar que o Brasil também é signatário da “Convenção Para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio”, que considera genocídio, entre outras hipóteses, assassinatos cometidos “com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”.

Frente aos dados expostos e ao conhecido histórico de 388 anos de escravidão e posterior marginalização e perseguição da população negra formalmente liberta, inevitável enquadrar a situação como caso típico de genocídio, nos termos da aludida hipótese.

Nesse sentido, afirma Ana Flauzina (4) que “a forma de movimentação do sistema penal brasileiro, fundamentada na violência e na produção de mortes, tem o racismo como variável central”.

Segundo Flauzina:

Aqui, o genocídio está na base de um projeto de Estado assumido desde a abolição da escravatura, com a qual nunca se romperá efetivamente. A agenda genocida é recepcionada pelos sucessivos governos que assumiram a condução do país desde então, sem que se alterassem os termos desse pacto. Daí a grande dificuldade de ter acesso ao projeto: ele não é episódico, mas estrutural.

Assim, àquelas e àqueles engajados na construção de um Estado realmente Democrático e de Direito, livre de genocídios, resta concluir não apenas pela manifesta plausibilidade do PL 4471/2012, mas também pela urgência de sua aprovação diante do cenário de ascendente violência policial por todo país.

A proposição torna-se ainda mais relevante diante da recente aprovação, pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), de Resolução que prevê a substituição dos termos “autos de resistência” e “resistência seguida de morte” por “lesão corporal decorrente de intervenção policial” ou “morte decorrente de intervenção policial” e determina que os casos devem ser investigados pela Delegacia de Crimes contra a Pessoa ou por uma delegacia com atribuição similar.

Diante do descalabro representado no genocídio constante da população negra, impõe-se a todas e todos parlamentares a tarefa de aprovar, celeremente, essa importante lei que, ao encontro das disposições contidas na Constituição da República e dos compromissos internacionais para a promoção de direitos humanos firmados pelo Brasil,  extinguirá as obscuras figuras dos “autos de resistência” e “resistência seguida de morte” e contribuirá para a desestruturação da política genocida que permeia o sistema penal brasileiro.

Por essas razões, as organizações, órgãos e movimentos subscritos requerem seja o PL 4471/2012 aprovado celeremente, possibilitando-se a ampliação do controle sobre a atividade policial e, espera-se, a redução substancial dos casos de execuções cometidas por policiais.

ASSINAM:

Ação dos Cristãos Para Abolição da Tortura (ACAT-BRASIL)
Associação dos Servidores do IBGE de São Paulo (SSIBGE/SP)
Associação Juízes Para a Democracia (AJD)
Associação Pela Reforma Prisional (ARP)
Brigadas Populares
Centro de Direitos Humanos e de Educação Popular Campo Limpo (CDHEP)
Centro de Direitos Humanos Sapopemba (CDHS)
Círculo Palmarino
Coordenação Nacional de Entidades Negras (CONEN)
Fórum de HIP HOP - SP
Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD)
Instituto de Estudos da Religião (ISER)
Instituto Paulista da Juventude
Instituto Práxis de Direitos Humanos
Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC)
Justiça Global
Levante Popular da Juventude
Mães de Maio
Movimento Negro Unificado (MNU)
Núcleo de Consciência Negra na USP
Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo
Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do Estado de São Paulo
Pastoral Carcerária – CNBB
Pastoral Carcerária do Estado de São Paulo - CNBB Sul I
Pastoral da Juventude da Arquidiocese de São Paulo
Pastoral da Juventude do Regional Sul 1 – CNBB
Rede Extremo Sul
Rede 2 de Outubro
Setorial Nacional de Negras e Negros da Central de Movimentos Populares do Brasil (CMP)
Sindicato dos Advogados do Estado de São Paulo
 


(1) http://www.sedh.gov.br/clientes/sedh/sedh/2012/10/05-out-12-cddph-resolucao-que-preve-a-abolicao-dos-termos-201cauto-de-resistencia201d-e-201cresistencia-seguida-de-morte201d-entra-em-consulta-publica
(2) http://www.correio24horas.com.br/noticias/detalhes/detalhes-1/artigo/policia-baiana-mata-mais-de-um-por-dia-taxa-e-maior-que-em-rio-e-sao-paulo/
[3] http://oglobo.globo.com/pais/assassinatos-de-brancos-caem-255-mas-de-negros-aumentam-298-6868633
(4) FLAUZINA, Ana Luíza Pinheiro. Corpo Negro Caído no Chão: O Sistema Penal e o Projeto Genocida do Estado Brasileiro. Dissertação apresentada à Universidade de Brasília, para obtenção do título de Mestre em Direito. Brasília, 2006P

sábado, 1 de dezembro de 2012

JULGAMENTO DO MENSALÃO FOI "UM SOLUÇO NA HISTÓRIA DO SUPREMO", DIZ BANDEIRA DE MELLO


por Felipe Amorim – 28/11/2012, no Última Instância

Na opinião do jurista Celso Antônio Bandeira de Mello, o julgamento do mensalão "é um soluço na história do Supremo Tribunal Federal". Para o renomado especialista em Direito Administrativo, a Suprema Corte do país não vai repetir em outros casos a mesma "flexibilização de provas" utilizadas para fundamentar a sentença: "não se condenará mais ninguém por pressuposição". Cético quanto à postura de alguns ministros na condução da Ação Penal 470, o jurista avalia que garantias básicas foram transgredidas, em um julgamento fortemente influenciado pelo furor do que chamou de "opinião publicada", difundida por jornais e revistas que formam um verdadeiro "cartel", na sua visão.

Para melhorar a dinâmica do STF, ferramenta útil seria a fixação de um mandato de oito anos para que cada magistrado exerça o cargo. “Tanto somos chamados de excelência, que o camarada acaba pensando que ele é a excelência”, lembrou. Embora há muito ouvida de um colega antigo e ex-membro da Suprema Corte, a frase veio à memória do administrativista ao defender a fixação do mandato rígido. Perguntado sobre como aperfeiçoar o modelo da mais alta corte do país, confessa, no entanto, ter mais dúvidas do que certezas. Ao mesmo tempo em que não consegue definir qual o melhor processo para escolha dos novos ministros, Bandeira de Mello é assertivo ao sugerir que o plenário deveria ter um número maior de juízes de carreira entre o colegiado: são eles quem, “desde meninotes”, têm a convicção de serem imparciais e alheios às influências.

Reconhecidamente um dos maiores nomes de Direito Administrativo do país, Celso Antônio Bandeira de Mello foi responsável por encerrar o seminário Direito Público na atualidade: diálogos latino-americanos, que ocorreu na última terça-feira (27/11), na sede da Escola da AGU (Advocacia-Geral da União), em São Paulo. À vontade na mesa de debate, onde não raras vezes era reverenciado pelos colegas palestrantes no evento — entre eles, um jurista argentino e um professor da PUC-SP (Pontifícia Universidade de São Paulo) —, Bandeira de Mello foi otimista ao especular sobre um futuro “risonho” do Direito Público no país. Nesse cenário, o cidadão deverá participar e interferir ainda mais diretamente nas decisões do Poder Público. “Hoje, as audiências públicas servem apenas para uma meia dúzia de pessoas que vão, mas elas chegarão a servir a todos”, aposta.

Em um dia inspirado para fazer projeções, Bandeira de Mello também indicou que o futuro da humanidade está em países nórdicos como Dinamarca, Noruega e Finlândia. “Eles revelam a visão de mundo mais evoluída. Não há ricos e pobres”, comentou o jurista, impressionado com o que testemunhou quando visitou a região escandinava. Passeando pelo interior dos países, Bandeira de Mello achou curioso que todos respeitavam religiosamente o limite de velocidade nas estradas mesmo sem que houvesse nenhum tipo de fiscalização. Aliás, percebeu também que havia pouquíssimos policiais nas ruas e que imigrantes confraternizavam à vontade com os nativos nas praças públicas. “Meu Deus, isso é que é civilização”, concluiu, digerindo tudo o que viu. “Se a sociedade continuar caminhando ela vai chegar nesse ponto, em que as pessoas se respeitam e onde está banida ao máximo a crueldade”, disse, admirado.

Embora rechace a alcunha de “um formalista kelseniano”, Celso Antônio Bandeira de Mello reconhece que sofreu (e sofre) grandes influências “deste que foi o maior jurista da história”. Para encerrar a sua fala, o administrativista extraiu de Hans Kelsen um trecho sintomático — e que também dialoga com a sua visão sobre o julgamento do mensalão, especialmente no que se refere à falta de provas alegada pela defesa dos réus. “Do fato de uma coisa ser, não se segue que deva ser. Do fato de que uma coisa deva ser, não se segue que será”. Instigado pela epígrafe, Bandeira de Mello lembra que é preciso ter em mente que a aplicação do Direito está permeada e tisnada pelas condicionantes psicológicas, sociais, políticas e pessoais. Isto é, embora o Direito fixe padrões ideais de convivência e conduta, sua interpretação terrena não pode ser vista como isolada e alheia às imperfeições do mundo em que vivemos.

Após o evento, Bandeira de Mello — sobrenome símbolo de uma família que há cinco gerações está intrinsicamente ligada ao Direito — falou ao Última Instância sobre mensalão, excesso de exposição dos juízes, composição do Supremo e também sobre a crise deflagrada recentemente na PUC-SP, universidade da qual integra o corpo docente. Perguntado sobre as eleições na OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil, seccional de São Paulo), o jurista inscrito na Ordem declarou convictamente o seu voto em Alberto Zacharias Toron, que encabeça uma das chapas de oposição. Leia a íntegra da entrevista:

Última Instância — Com a fixação das penas, chegamos à reta final do julgamento da Ação Penal 470. Como o senhor enxerga o julgamento?
Bandeira de Mello —
O mensalão, na minha visão, não era mensalão porque não era mensal. Isso foi a visão que a imprensa consagrou. Em segundo lugar, entendo que foram desrespeitados alguns princípios básicos do Direito, como a necessidade de prova para condenação, e não apenas a suspeita, a presunção de culpa. Além disso, foi violado o princípio do duplo grau de jurisdição.

Há um mês atrás, um juiz mineiro decidiu anular os efeitos da Reforma da Previdência. Ele citou textualmente o julgamento no STF para alegar que a compra de votos foi comprovada e que, portanto, a reforma seria inconstitucional. É possível anular atos do Legislativo com base na tese do mensalão?
Bandeira de Mello — 
Se é com base no mensalão, não. A Reforma da Previdência pode ser censurada por outros aspectos, mas não por causa do mensalão. Acho que a chance de anular atos legislativos aprovados durante o escândalo é zero. Isto, pois há um impedimento jurídico de que quando um colegiado decide, quem decidiu foi o colegiado como um todo e não os membros do colégio. É por isso que, se um indivíduo tem o mandato invalidado, porque ele foi ilegalmente investido, isso não afeta em nada [a validade dos atos].

O senhor se considera amigo do ex-ministro do Supremo Carlos Ayres Britto?
Bandeira de Mello — 
Ele é como um irmão.

Como avalia o mandato do ministro à frente da presidência do STF?
Bandeira de Mello — 
Não posso avaliar isso. Como vou falar a respeito dele? Ele é muito mais do que um amigo.

Sua gestão no Supremo se encerrou na semana passada, em função da aposentadoria compulsório dos que atingem 70 anos de idade. O senhor achou que a presidência de Ayres Britto foi curta demais?
Bandeira de Mello — 
Eu não posso dizer que foi curto demais, porque eu acho que ninguém devia ser ministro por mais de oito anos. Na minha opinião, o Supremo devia ter mandato fixado; oito anos, no máximo. Certa vez, ouvi de um ministro a seguinte frase: “tanto somos chamados de excelência, que o camarada acaba pensando que ele é excelência”.

Quanto ao processo de indicação dos novos ministros, qual é o melhor modelo?
Bandeira de Mello — 
Não há nada mais difícil do que imaginar um bom processo de escolha. No passado, já sugeri que a escolha fosse feita através de um processo de eleição entre todos os juízes do Brasil. Mas, nem mesmo isso, eu me atrevo a dizer que será o ideal. Porque isso é capaz de politizar tanto, criar tantos grupos de partidários, que o mérito do candidato pode também ficar em segundo plano.

Como deve ser o Supremo Tribunal Federal, então?
Bandeira de Mello — 
Hoje eu tenho poucas ideias a respeito de como deve ser o Supremo. Uma delas é o mandato de oito anos. A outra: o número de juízes de carreira devia ser maior entre os ministros. Obrigatoriamente, deveria haver um número mínimo de juízes de carreira, porque os juízes têm dentro de si, desde quando se formam, a convicção de que devem ser imparciais e alheios, o máximo possível, das influências. Devia haver um número mínimo obrigatório, eu colocaria pelo menos dois terços de juízes de carreira. Porque o juiz de carreira é diferente dos outros. Mesmo que você goste ou desgoste da maneira como ele julga, deve reconhecer que ele tem um viés isento. Por exemplo, o ex-ministro Cezar Peluso. As pessoas podiam gostar ou não gostar das tendências pessoais dele, mas todos reconheciam que era um homem aplicadíssimo, conhecia os processos em pauta como ninguém. Ele era um homem com uma isenção absoluta, e isso é típico do juiz.

O senhor considera exagerada a publicidade que alguns magistrados recebem ao exercer suas funções jurisdicionais?
Bandeira de Mello — 
Antigamente, se dizia que o “juiz só fala nos autos”. Eu acho que o juiz devia ser proibido de dar entrevistas. E não só os ministros do Supremo — mas eles é que parecem que gostam.

Qual é a sua impressão da postura do relator Joaquim Barbosa ao longo do julgamento?
Bandeira de Mello — 
Eu não gostei. Achei uma postura muito agressiva. Nele não se lia a serenidade que se espera de um juiz. Inclusive, em relação aos colegas, ele tinha que ter uma atitude de maior urbanidade em relação aos colegas. E no caso do Lewandowski, ele é um príncipe. Um homem de uma educação e uma finura monumental. É quase que inacreditável que Barbosa tenha conseguido fazer um homem como Lewandowski perder a paciência.

Recentemente, o grão-chanceler da PUC-SP, o cardeal Dom Odilo Scherer, usou do artifício da lista tríplice para nomear a próxima reitora da universidade. O cardeal escolheu a terceira candidata mais votada nas eleições da comunidade. Na posição de professor da Faculdade de Direito e filho do primeiro reitor leigo (não vinculado à Igreja) da universidade, como o senhor enxerga essa decisão?
Bandeira de Mello — 
Eu avalio que o cardeal exerceu um direito dele. O estatuto diz que o método é uma lista tríplice. Vou mais longe: os candidatos não poderiam ter dito que não aceitariam se não fossem o primeiro, pois isso equivaleria a dizer que o cardeal só pode nomear o primeiro da lista tríplice. E isto não existe, eles estariam violando o direito do cardeal escolher entre três. E eu acho que o cardeal tem esse direito, porque está escrito. Nós podemos não gostar.

A decisão é legítima?
Bandeira de Mello — 
Não existe esse negócio de ilegítimo, na minha opinião. Ou é legal, ou não é legal. Mas só podemos falar em ilegítimo no sentindo em que ele aparece como imoral. E eu não acho imoral, escolher entre os três mais votados, se o estatuto presente permite. Se o estatuto considera, eu não vejo como imoral poder escolher entre o que mais te agrada, acho legítimo.