sexta-feira, 20 de julho de 2012

NOTA DE REPÚDIO AO RELATÓRIO DA OAB/SJC SOBRE A DESOCUPAÇÃO DO PINHEIRINHO


 
O coletivo “Advogados para a Democracia”, vêm a público repudiar o Relatório da “Comissão Especial para Acompanhamento da Desocupação do Local Denominado Pinheirinho” da OAB de São José dos Campos.

Tomamos conhecimento do Relatório da OAB/SJC no dia 13/06/2012, através de notícia publicada no site do TJ/SP, com o seguinte título “OAB descarta violação dos direitos na reintegração de posse no Pinheirinho”. Pelo título da notícia já era possível ter uma ideia do conteúdo porvir.

O Relatório inicia descrevendo as histórias de vida e o drama dos moradores do Pinheirinho de forma emotiva, esclarecendo que é “fruto de um esforço conjunto que envolveu dezenas de advogados que voluntariamente acompanharam toda a problemática em suas diversas fases e realizaram incontáveis diligências”. Estranho, pois, acompanhamos de perto durante as três semanas que se seguiram ao massacre, visitando os acampamentos, conversando com os desabrigados e cadastrando famílias juntamente com integrantes de movimentos sociais, do Condepe-SP, advogados e voluntários; e não tomamos conhecimento da presença das “dezenas de advogados”. O único advogado voluntário representando a OAB/SJC que estava presente era o Doutor Aristeu Cesar Pinto Neto.

Cabe esclarecer que no dia 04/02, quando estivemos em São José dos Campos, enquanto aguardávamos na recepção do Hospital Municipal (juntamente com o Deputado Adriano Diogo, o advogado Antonio Donizetti Ferreira e outros companheiros) pela ficha médica do Sr. Ivo que, segundo testemunhas, foi violentamente agredido por policiais, tivemos a oportunidade de conversar com o advogado e então presidente da Comissão de Direitos Humanos, Aristeu Cesar Pinto Neto que nos relatou a insatisfação da diretoria da OAB com a sua atuação na defesa dos direitos dos moradores de Pinheirinho. Pela conversa ficou bem claro que a OAB de São José dos Campos endossa a ação da Prefeitura, do Governo do Estado e do Poder Judiciário contra os moradores. Alguns dias depois (em 15/02) soubemos que a referida comissão foi extinta pelo presidente da OAB local sem justificar os motivos.

O relatório procura justificar no tópico “As causas que contribuíram para a tragédia”, que o ocorrido se deu pela posição irredutível dos moradores, insinuando que a morosidade do processo foi em razão dos “inúmeros recursos, defesas apresentadas pelos advogados dos moradores”(sic).

Contrariando a própria retórica, pois a alegação é de que não se está à procura de culpados, afirma que os moradores e advogados visavam, “principalmente o incentivo à ocupação desordenada com o objetivo justamente de afrontar o Poder Judiciário e impedir a execução de suas ordens”.
Além disso, o relatório busca culpar os líderes de um suposto “movimento” seguindo o que foi veiculado pelo poder do Estado e pela grande mídia, deixando inequívoca a intenção de manipulação da opinião pública. O que ocorreu foi simplesmente exercitar o direito à dignidade humana por parte dos moradores, seus representantes legais e alguns parlamentares.

O tal “movimento” nada mais é do que representantes da comunidade exercendo os seu direito constitucional de se organizar. Trata-se de mais uma forma de criminalização de organizações sociais.

A frieza na elaboração e conclusão do relatório, posta em defesa do poder judiciário e das instituições públicas é no mínimo estranha, quando a obrigação da OAB deveria ser a defesa intransigente dos direitos humanos contra tudo e todos, inclusive a despeito do alegado
devido processo legal1.

Isto porque, a realidade fática é seguramente muito diferente daquela traçada pelo relatório, que estranhamente foi publicado na página central do site do Tribunal de Justiça de São Paulo, que a toda evidência não necessita de defensores.
Oportuno registrar que há fragilidade nas alegações do dito relatório, pois o terreno desapropriado era parte do patrimônio de uma empresa falida e, portanto, faz cair por terra a defesa da propriedade em desfavor da moradia e consequentemente da dignidade da pessoa humana, não sendo crível que a OAB compactue em favor daqueles que, para expulsar os moradores do Pinheirinho, alçaram o direito à propriedade da falida sem se importar com a sua necessária função social.

O relatório em nenhum momento apontou objetivamente quais foram as medidas tomadas pela OAB para assegurar o direito daquelas minorias, a não ser comprometer-se em levar a sociedade uma discussão superficial e tendenciosa sobre fatos vivenciados pelos moradores daquela comunidade. Além disso, segundo o relatório, foi garantido o ingresso de um advogado representante de uma empresa tendo escolta policial para a retirada de cerca de trinta mesas de bilhar dadas em comodato a diversos bares do local reiterando a exclusiva preocupação em preservar o patrimônio empresarial não sendo oferecido aos moradores a mesma possibilidade com relação aos seus pertences.
A instituição afirma que participou de várias reuniões com diversos órgãos públicos envolvidos na logística da desocupação, ou seja, sabia que o Poder Público não estava preparado para receber as mais de mil famílias que seriam desalojadas, sabia que não haveria moradia para elas e mesmo assim apoiou a desocupação, preocupando-se tão somente em proteger o direito de propriedade.

Está claro que havia condições de prever que seria impossível uma operação dessa magnitude sem que ocorresse o desrespeito aos direitos dos cidadãos que ali residiam. As famílias foram obrigadas a deixar seus lares, pertences, documentos e animais domésticos para trás sem ter para onde ir e a OAB tinha ciência desse fato e se omitiu apoiando a operação. Como se isso não bastasse, o relatório afirma que houve uma parceria do Município com o Poupatempo permitindo a emissão de RG para aqueles que “não possuíam” este documento e, novamente, omite o fato de que esses cidadãos perderam seus documentos devido à ação irresponsável do poder público quando da desocupação.
Não podemos deixar de esclarecer que todas as afirmações supracitadas decorrem, também, do testemunho in loco de membros deste Coletivo uma vez que estiveram por diversas vezes nos abrigos CAIC D, Pedro, Ginásio de Esportes D. Pedro, Ginásio de Esportes Jardim Morumbi e Ginásio Esportivo Vale do Sol onde foi possível verificar o absoluto desrespeito com as famílias que residiam no Pinheirinho, a saber:

  • A estrutura dos abrigos não era ideal e nem adequada para atender a demanda;
  • As famílias estavam amontoadas nos abrigos superlotados a ponto de se “acomodarem” nos banheiros dos ginásios. Havia crianças, idosos e deficientes;
  • Os banheiros eram coletivos sendo que muitos deles eram abertos não oferecendo privacidade às pessoas;
  • A moradia de cada família se limitava a um colchão no chão dos abrigos.
  • Os animais que sobreviveram ao massacre e se perderam dos seus donos, perambulavam nesses ambientes fortalecendo os problemas de higiene e saúde.
  • A comida fornecida pela Prefeitura era de péssima qualidade e insuficiente para alimentar a todos. Muitos reclamavam que há dias não havia mudança no cardápio e que a alimentação era muito salgada e azeda. O café da manhã se limitava a pão, café e leite insuficientes para todos, em especial, ao grande número de crianças.
  • Foram disponibilizados, de forma precária, atendimento médico, assistência social, psicólogos e policiamento.
  • Nos abrigos, as pessoas tinham medo de represália da prefeitura e evitavam comentar sobre o que viviam ali pois afirmavam que existiam agentes do poder público infiltrados entre os desabrigados. Ainda assim foi possível ouvir centenas de testemunhos.
  • Verificamos a falta de medicamentos e o desespero para a obtenção dos mesmos.
  • As famílias pediam para que doações fossem entregues diretamente a elas porque nem tudo que era doado chegavam para os desabrigados.

É inadmissível à OAB, que nasceu sob a premissa de defender os direitos humanos, analisar o caso apenas no campo da legalidade deixando à margem a percepção de legitimidade, se esquivando da sua função precípua de luta pelo Estado Democrático de Direito e se omitindo diante da prevalência da propriedade improdutiva da massa falida sobre o direito à moradia.

Clécio Marcelo Cassiano de Almeida
Ellen Caixeta
Francisco Jucier Targino
Nilva Souza
Rodrigo Sérvulo da Cunha 
Walter Luz Amaral


ADVOGADOS PARA A DEMOCRACIA

Fontes:





1 “LUTA. Teu dever é lutar pelo direito. Mas no dia em que encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça” (Eduardo Couture).

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