sábado, 28 de janeiro de 2012

NOTA DE REPÚDIO À INVASÃO NO PINHEIRINHO


No último domingo (22/01) a comunidade residente no Pinheirinho em São José dos Campos (SP) foi covardemente invadida pela Tropa de Choque, Polícia Civil e Militar do Estado de São Paulo para o cumprimento de uma ordem judicial de reintegração de posse. O bairro que existe há 8 anos onde residia seis mil famílias amanheceu tendo a sua dignidade violentada.

Os métodos utilizados são desumanos e, como se isso não bastasse, não houve nenhum preparo para alojar famílias inteiras (muitas crianças, idosos, mulheres gestantes...) retiradas do local que foram simplesmente despejadas na rua e em alojamentos com condições precárias passaram a dividir espaços improvisados tendo seus direitos mais básicos desrespeitados.

A PM e a Prefeitura de São José dos Campos se manifestaram informando que a operação de desocupação ocorreu tranquilamente e o atendimento às famílias foi e está sendo feito adequadamente.

Aliás, preocupada com sua imagem, depois de fazer tanta lambança e violar praticamente todos os direitos fundamentais dispostos na Constituição Federal, o Comando da Polícia Militar de São Paulo emitiu uma nota oficial informando que “agiu dentro da legalidade e com respeito incondicional aos direitos humanos e às pessoas.” Não caro leitor, Não é uma piada!

As redes sociais, blogs e sites alternativos, desde o dia 22, têm sido incansáveis ao publicarem imagens, notícias e testemunhos acerca do tratamento “adequado” dispensado à população do Pinheirinho. Até o PIG indignou-se com o que ocorreu lá, talvez não pelo sofrimento impingido à população, mas certamente porque foi impedido de entrar no local, ou seja, a situação é tão grave que até a velha monarquia midiática tupiniquim foi censurada.

Há relatos de pessoas afirmando que durante a desocupação policiais tratavam a população a chutes e pontapés, não poupando nem os idosos e crianças e quem tentasse registrar as cenas da barbárie tinham seus celulares e câmeras confiscados.

O site da Agência Nacional das Favelas divulgou o seguinte depoimento de uma moradora:
"Continuam a matar, espancar, agredir e humilhar mulheres, crianças, pessoas idosas aqui na ocupação Pinheirinho. Estamos aqui desde as 10 horas da manha e já vimos todo o tipo de absurdos. Pessoas nas ruas feridas, correndo, estão jogando bombas em nos de cima dos helicópteros, de onde eles também jogam gás de pimenta. Ha companheiros mortos, ainda não sabemos o numero exato mas temos já confirmadas pelo menos 3 mortes. O numero de feridos e impossível de confirmar. A toda hora disparam contra nos. O ar é irrespirável de tanto gás lacrimogêneo e gás de pimenta. As crianças não param de chorar.

Mas o povo está ferido mas ainda forte. Na luta estamos por todos os nossos direito e por uma sociedade onde não tenhamos que morrer para ter uma moradia."


O diretor executivo da Anistia Internacional no Brasil, Átila Roque disse em entrevista: “Esse despejo viola uma série de normas internacionais”, para ele, “A operação foi efetuada de modo totalmente inadequado: nas primeiras horas da manhã de domingo e sem nenhum aviso apropriado. A expulsão foi levada a cabo apesar de as autoridades estarem em meio a uma negociação que visava encontrar uma saída pacífica”.

Não há como não criticar a atuação do Poder Público em todas as suas esferas no tocante a solução de conflitos sociais. Não se pode tratar casos como esse como uma simples questão legal/judicial, antes disso, trata-se de uma questão social/jurídica que jamais poderia ter sido resolvida com aplicação de leis de direito privado em detrimento da dignidade da pessoa humana.
Mais uma vez ficou comprovado que o poder econômico através da especulação imobiliária prevaleceu diante do inalienável direito à moradia.

Os Advogados Progressistas repudiam a criminosa atuação do Estado Brasileiro neste episódio.

ENTENDA O CASO

Desde fevereiro de 2004 a área conhecida como Pinheirinho, na zona Sul de São José dos Campos, vem sendo ocupada por famílias que não tinham onde morar. A área de mais de 1 milhão de metros quadrados inicialmente foi ocupada por cerca de 150 famílias, na ocasião houve confronto entre as famílias e a guarda civil metropolitana, mas a ocupação prevaleceu e ao longo desses oito anos tornou-se um verdadeiro bairro com mais de 1.600 família (cerca de 7 mil pessoas).

Paralelamente, na Justiça Estadual (18ª Vara de Falência de São Paulo) tramitava o processo disputando a área, estando envolvida a Empresa Selecta Comércio e Indústria S/A, uma holding administrada, até a quebra em 2004, pelo megaespeculador Naji Nahas.

O Juiz responsável pelo processo concedeu, em 2006, uma liminar de reintegração de posse, antes de ser cumprida foi cassada pelo Tribunal de Justiça por vício de incompetência da Vara de Falência.

A massa falida da Selecta ingressou, então, com ação de Reintegração de Posse na Comarca de São José dos Campos (6ª Vara Cível) pedindo liminar que foi negada. Recorreu e o Tribunal de Justiça reformou a decisão concedendo liminar para reintegrar a posse à massa falida. Posteriormente o mesmo TJ/SP suspendeu a liminar, houve recurso para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) que constatando irregularidades no processo o anulou.

Em julho de 2011 a juíza Márcia Loureiro, da 6ª Vara Cível de São José dos Campos, com base na primeira liminar concedida, expediu nova ordem para desocupação em favor da massa falida, argumentando que o processo deve “tornar ao seu curso normal com o cumprimento da liminar deferida pelo juízo da causa à época”.

Diante dessa celeuma, o Ministério das Cidades reiterou, através de ofício, à 6ª Vara Cível seu interesse na solução do problema. Há que se ressaltar que desde 2005 a União vem manifestando interesse em tal resolução. Em nota, logo após o início da barbárie, a secretária nacional de Habitação do Ministério das Cidades, Inês Magalhães disse que: "Desde 2005, o Ministério das Cidades vem reiterando seu interesse em colaborar na solução pacífica do conflito, por meio de uma ação conjunta, ofertando ao município a priorização nas linhas de provisão habitacional / urbanização de assentamentos precários disponíveis no nível federal, para atendimento a famílias de baixa renda. Essa manifestação foi formalizada inclusive para a Vara Cível de São José e para o Tribunal de Justiça de São Paulo".

Em meio às negociações e acordos já iniciados entre os governos federal, estadual e municipal a juíza da 6ª Vara Cível ordenou a reintegração imediata, atropelando qualquer tentativa de resolver a questão de forma justa e humana. Assim, com a possibilidade da iminente desocupação e tendo em vista o interesse jurídico da União, a Associação Democrática por Moradia e Direitos Sociais ajuizou uma ação cautelar inominada com pedido de liminar na Justiça Federal.

A liminar foi deferida pela juíza federal de plantão, Roberta Monza Chiari, que reconheceu o interesse jurídico da União no caso e determinou a suspensão temporária da reintegração. Posteriormente o juiz substituto da 3ª Vara Federal de São Jose dos Campos, Carlos Alberto Antônio Júnior, cassou a liminar sob o argumento de que a matéria envolve a justiça estadual sendo questionável a competência da justiça federal já que a união não é parte legítima no processo e justifica a cassação da liminar: “É de se explicar que, uma vez acionado o plantão judicial, o juiz plantonista analisa o caso em regime de urgência e, logo que aberto o Fórum pela manhã, há regular distribuição do feito a uma das varas. No caso, este feito foi distribuído a este Juízo Federal”.

A Associação recorreu para o TRF da 3ª Região que restaurou a liminar da juíza e ordenou a suspensão da reintegração. Tínhamos então duas decisões antagônicas: a da Justiça Estadual ordenando a desocupação e a da Justiça Federal ordenando a suspensão da desocupação.

Instalado o conflito de competência, houve recurso para o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Enquanto o recurso subia e era analisado pelo Presidente do Tribunal, o governador em conjunto com o prefeito de São José dos Campos ordenou que suas tropas (Polícia Militar e Guarda Civil Metropolitana) invadissem e expulsasse as mais de 1.600 famílias do local e derrubassem suas casas reintegrando as terras para a massa falida Selecta (que, diga-se de passagem, é devedora de milhões aos cofres públicos).


O presidente do STJ, Ari Pargendler  (aquele que faz lobby para cunhada virar ministra) cassou a liminar do TRF e validou a da justiça estadual pela desocupação. A Associação Democrática por Moradia e Direitos Sociais impetrou um Mandado de Segurança no STF (Supremo Tribunal Federal) pedindo a suspensão imediata da desocupação. O STF não analisou o mérito do MS, negando seguimento por considerá-lo  "inviável" pois a decisão do STJ "é passível de impugnação pela via processual adequada".

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