terça-feira, 29 de novembro de 2011

DITADURA MILITAR: SENTENÇA SOBRE A GUERRILHA DO ARAGUAIA COMPLETOU UM ANO




Dia 24 de novembro fez um ano que a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil por violações de direitos humanos no caso da “Guerrilha do Araguaia”.

A Corte é um órgão judicial internacional autônomo do sistema da Organização dos Estados Americanos, criado pela Convenção Americana dos Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) e tem competência de caráter contencioso e consultivo para conhecer e julgar casos de violação aos direitos humanos dos Estados-Partes que tenham reconhecido a sua competência. O Brasil é signatário da Convenção desde 1992, quando depositou a carta de adesão à Convenção, portanto, tem o dever de cumprir as decisões da Corte.

O processo é consequência de uma petição de agosto de 1995, apresentada pelo ‘Centro pela Justiça e o Direito Internacional’ (CEJIL) e pela ‘Human Rights Watch/Americas’, em nome de pessoas desaparecidas no contexto da Guerrilha do Araguaia e seus familiares junto à Comissão Interamericana de Direito Humanos (CIDH) denunciando as violações aos direitos humanos pelo Estado Brasileiro entre 1972 e 1975, contra camponeses da região e membros do Partido Comunista do Brasil (PC do B).

A Comissão, após expedir relatório de admissibilidade, decidiu submeter o caso à jurisdição da Corte, considerando que representava "uma oportunidade importante para consolidar a jurisprudência interamericana sobre as leis de anistia com relação aos desaparecimentos forçados e à execução extrajudicial e a consequente obrigação dos Estados de dar a conhecer a verdade à sociedade e investigar, processar e punir graves violações de direitos humanos".

A Comissão também submeteu o caso à Corte porque, "em virtude da Lei No. 6.683/79 [...], o Estado não realizou uma investigação penal com a finalidade de julgar e punir as pessoas responsáveis pelo desaparecimento forçado de 70 vítimas e a execução extrajudicial de Maria Lúcia Petit da Silva [...]; porque os recursos judiciais de natureza civil, com vistas a obter informações sobre os fatos, não foram efetivos para assegurar aos familiares dos desaparecidos e da pessoa executada o acesso a informação sobre a Guerrilha do Araguaia; porque as medidas legislativas e administrativas adotadas pelo Estado restringiram indevidamente o direito de acesso à informação pelos familiares; e porque o desaparecimento das vítimas, a execução de Maria Lúcia Petit da Silva, a impunidade dos responsáveis e a falta de acesso à justiça, à verdade e à informação afetaram negativamente a integridade pessoal dos familiares dos desaparecidos e da pessoa executada".

A detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de cerca de 70 pessoas, provocadas pelas Forças Armadas da ditadura militar, tinha por objetivo erradicar a Guerrilha do Araguaia a qualquer custo.

Ao condenar o Brasil, pelas gravíssimas violações aos direitos humanos ocorridas durante a ditadura militar, a Corte declarou sem efeitos jurídicos a lei de anistia na parte que impede a investigação e punição dos responsáveis por tais violações, determinando que o Estado conduza eficazmente a investigação de forma a levar a condenação os responsáveis civil e criminalmente.

Deve o Estado brasileiro investigar e identificar o paradeiro dos desaparecidos e, se for o caso, saber onde se encontram os restos mortais e ainda dar tratamento médico e psicológico adequado aos familiares das vítimas e publicar a sentença nos meios de comunicação, ou seja, cumprir a Constituição Federal.

Mas, o Estado brasileiro se submete as decisões da Corte?

O ministro do STF Cezar Peluso, no dia 18/1/11, referindo-se ao Caso do ex-ativista italiano Cesare Battisti afirmou que: "Nenhuma corte internacional tem competência para rever, cassar, reformar ou interferir em qualquer decisão do STF"

Ora! ao aderir livremente à Convenção, o Brasil obrigou-se a respeitar as decisões da Corte, comprometendo-se a adequar seu ordenamento jurídico à realidade internacional, bem como todos os poderes públicos devem estar em harmonia com a convenção.

Uma decisão do STF no sentido da não obrigatoriedade do cumprimento da decisão da Corte é claramente equivocada, o que poderá este Tribunal declarar é a inconstitucionalidade da adesão do Brasil à Convenção, neste caso, o Brasil terá que denunciar a Convenção e a partir daí as decisões daquela Corte não mais valerão no Brasil. Vale lembrar que há entendimento doutrinário no sentido de que não é possível tal denuncia dada a natureza do tratado.

Quais providencias foram tomadas até hoje no sentido de cumprir a sentença?

Em maio deste ano a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República formou uma Comissão Interministerial, integrando a Secretaria de Direitos Humanos e os Ministérios da Justiça e da Defesa com o objetivo de intensificar as buscas dos corpos de desaparecidos durante a Guerrilha do Araguaia (lembrando que antes a pasta era de responsabilidade apenas do Ministério da Defesa conduzida pelo então Ministro Nelson Jobim).

Outra providência foi a aprovação da Lei que regula o acesso a informações ( Lei nº 12.527, de 18/11/2011) e da Lei que criou a Comissão Nacional da Verdade (Lei nº 12.528, de 18/11/2011), que permitirão aos brasileiros conhecer melhor o que aconteceu nos porões da ditadura, e ter acesso a informações de documentos oficiais.

O que se nota é que tudo está caminhando muito devagar, há, ainda, muito trabalho a ser feito pelo Governo Federal para cumprir todas as determinações da Corte. Já no Judiciário, tramita junto ao STF a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental)153 ajuizada pelo Conselho Federal da OAB e que questiona se a Lei de Anistia agasalha os autores dos crimes cometidos durante a ditadura militar. Para o jurista Fabio Konder Comparato, que assina a Petição Inicial “... os agentes públicos, que mataram, torturaram e violentaram sexualmente opositores políticos, entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, não praticaram nenhum dos crimes definidos nesses diplomas legais, pela razão de que não atentaram contra a ordem política e segurança nacional. Bem ao contrário, sob o pretexto de defender o regime político instaurado pelo golpe militar de 1964, praticaram crimes comuns contra aqueles que, supostamente, punham em perigo a ordem política e a segurança do Estado”.

Os instrumentos estão ai, a questão é saber se haverá vontade política suficiente para mudar o estado das coisas, resgatar esse período obscuro de nossa história e enfrentar, de uma vez por todas, os fantasmas da ditadura militar.

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